Mais um lamentável retrato das bandeiras de conveniência, que não garantem condições dignas de trabalho a bordo
O navio de contêineres Ipek Oba, com número IMO 8811390 e bandeira panamenha, se encontra fundeado na barra do porto de São Luís, no Maranhão, há cerca de seis meses. O armador turco Capramar Ship Management não vinha cumprindo as suas obrigações com os tripulantes, que têm nacionalidades turca e venezuelana. Em outubro deste ano, começaram os pedidos de socorro à Federação Internacional dos Trabalhadores em Transportes (ITF).
O delegado sindical e inspetor da ITF, Renialdo Salustiano de Freitas, que está atuando no caso, denunciou às autoridades brasileiras, panamenhas e turcas as irregularidades observadas. Com o agravamento da situação, duas semanas atrás o sindicalista cobrou do armador providências imediatas para os problemas listados abaixo:
1- Tripulantes estavam com os salários atrasados por mais de dois meses, indo para terceiro mês.
2- Falta de provisões, pouco ou quase nada de comida, falta de água, tripulação coletando água da chuva para cozinhar e tomar banho.
3- Tripulantes a bordo por mais de 12 meses, solicitando repatriação, sem resposta do armador, numa clara violação da Convenção MLC 2006 da OIT.
4- Tripulante que também estava há mais de 12 meses a bordo, vinha sistematicamente pedindo atendimento médico sem resposta do armador.
5- Os relatos indicavam que havia tripulantes com problemas de saúde, vômitos e possivelmente infeção alimentar, necessitando de atendimento médico.
6- Em outubro deste ano, outro tripulante já havia pedido socorro. Com a tíbia fraturada em acidente a bordo, o marítimo foi resgatado e teve atendimento médico em São Luís, onde foi operado e ficou alguns dias no hospital. Depois de muita insistência do inspetor da ITF com o armador, ele foi, finalmente, repatriado.
7- O armador não havia pagado as despesas médicas e o tripulante repatriado estava tendo que custear o tratamento em razão do acidente.
Tanto o inspetor da ITF quanto a Conttmaf – entidade sindical marítima e portuária mais representativa no Brasil – recomendaram às autoridades, na ocasião, declararem o abandono da tripulação pelo armador e exigirem as garantias financeiras previstas pelo Clube de Proteção e Indenização (Clube P&I).
No momento, em decorrência da atuação sindical da ITF, até onde se pode constatar, as despesas pendentes e os salários foram pagos pelo armador, e três tripulantes foram resgatados pelas autoridades para serem repatriados.
A tripulante que necessitava de atendimento médico de urgência foi internado para receber os cuidados necessários. A delegada do Sindmar em São Luiz, Silvania Ferreira Pereira, visitou no hospital e prestou solidariedade.
De todo modo, a situação está longe de ser resolvida. Nesta quarta-feira (29), os tripulantes informaram ao inspetor da ITF que o navio seria apagado em razão de racionamento de diesel, o que certamente tornaria a vida a bordo ainda mais sofrida sem energia elétrica, sem climatização e, possivelmente, sem condições de funcionamento da cozinha e fornecimento de água para o banho e para a utilização de descarga do vaso sanitário.
Os tripulantes que estão a bordo não têm a opção de parar de trabalhar, pois são eles os únicos responsáveis por manter o navio em condições seguras, sem acidentes ou danos ambientais – tarefa extremamente difícil quando o armador e as autoridades não cumprem as suas obrigações.
A Conttmaf não tem dúvidas de que tal condição configura um trabalho análogo à escravidão, conforme prevê a legislação brasileira, e está cobrando providências do poder público, a quem cabe tomar decisões que não podem mais esperar diante do flagrante sofrimento a que os trabalhadores estão submetidos: abandono pelo armador da Turquia e descaso da autoridade marítima do Panamá.
Estas obrigações estão claramente definidas e previstas na Convenção do Trabalho Marítimo da OIT (MLC), cuja autoridade competente no Brasil é o Ministério do Trabalho.
Imagens do Ipek Oba mostram que a embarcação está sem provisões e passa por racionamento de água: