A Petrobras ainda não revelou planos para fortalecer a Transpetro como empresa integrada de logística e nem se pronunciou sobre o imprescindível crescimento da frota de navios brasileiros, como determinou o presidente Lula na reunião de cem dias do seu governo. Sem presidente nomeado, a subsidiária permanece acéfala e sem rumo certo.
Em todos os governos que o Brasil teve desde a criação da Petrobras, o lobby pelo afretamento de navios para transportar petróleo e derivados nunca deixou de atuar no seio da empresa, na estrutura governamental e no Congresso Nacional. Em razão das polpudas comissões obtidas pela atividade de corretagem de navios (shipbroking), muitos executivos do setor são “estimulados” a privilegiar a contratação de embarcações estrangeiras. Por não envolverem taxas de brokerage, navios próprios, em bandeira nacional, não despertam o mesmo interesse.
Nos últimos anos, o incentivo aos afretamentos de navios estrangeiros ganhou apoio do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), que de brasileiro parece só ter o nome. O órgão vem se empenhando na defesa dos interesses de grandes corporações internacionais do setor petrolífero que esperam atuar no Brasil, e lucrar sob regras flexíveis, dentro de uma lógica que não é benéfica aos interesses e à soberania do nosso país.
O movimento sindical marítimo observa, com preocupação, que, no atual governo, gerentes executivos da Petrobras que se notabilizaram por prejudicar a atuação da Transpetro continuam participando ativamente das decisões que podem impactar na atuação da subsidiária como empresa integrada de logística, na operação conjunta dos ativos: navios, dutos e terminais.
No governo anterior, não passou despercebida a ascensão meteórica de alguns gerentes executivos. Guindados a cargos estratégicos na estatal, eles trabalharam pelo fim da frota nacional de navios petroleiros e gaseiros da Transpetro, que acabou reduzida praticamente à metade, a fim de abrir espaço para navios de outras bandeiras e satisfazer a sanha por lucros da indústria de afretamentos.
A essa altura, é mau sinal que na diretoria da Petrobras haja dúvidas de que a Transpetro precise ser uma empresa integrada de logística e que deva caber a ela a gestão de todos os contratos de operação de transporte da estatal. Isso se aplica tanto à frota própria quanto à frota afretada, devendo haver metas claras para redução substancial dos afretamentos em outras bandeiras, que precisam ser substituídos por navios construídos no Brasil, incentivando o desenvolvimento nacional, o emprego de trabalhadores brasileiros e o recolhimento de tributos, com o crescimento e a circulação da riqueza internamente.
Os sindicatos marítimos coordenados pela Federação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários e Afins (FNTTAA) e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários e Aéreos, na Pesca e nos Portos (Conttmaf) têm procurado alertar para os riscos que o Brasil terá de enfrentar, em um mundo em crescente conflito, ao abrir mão de frota própria que possibilite à Petrobras operar uma fatia mais significativa do nosso transporte marítimo doméstico.
A Petrobras tem o controle de mais de 70% de todas as cargas transportadas na cabotagem. Enquanto a estatal afreta mais de 150 navios de outros países, a frota atual da Transpetro se resume a 26 embarcações. No último ano, apenas 4% das cargas de petróleo na cabotagem foram transportadas por navios brasileiros, segundo a Antaq. Já no setor de contêineres, em que atuam apenas empresas privadas, a participação nacional superou os 90%.
Essa disparidade desnuda dois fatos. O primeiro, que o negócio de navegação é competitivo em bandeira brasileira. Do contrário, empresas privadas não estariam atuando nele e competindo de forma tão significativa, investindo continuamente e crescendo a taxas que, nos últimos 12 anos, superaram, em média, dois dígitos percentuais. O segundo, que há uma política equivocada e deletéria na Petrobras, que a impede de contribuir como deveria, no setor marítimo, para o desenvolvimento nacional e a geração de riqueza em benefício do povo brasileiro.
Resta saber se Lula e Jean Paul Prates já perceberam que a Petrobras segue sob forte influência da caterva que pretendia – e pretende, caso haja tal possibilidade – fatiar e vender a empresa. Caso não se compreendam esses perigos, será exigido dos trabalhadores do Sistema Petrobras – especialmente dos marítimos, que correrão o risco de desaparecer – que se mobilizem, mais uma vez, para lutar contra o desmonte da maior empresa de navegação nacional, da última armadora genuinamente brasileira com efetiva atuação no longo curso, configurada na Transpetro.
Carlos Augusto Müller
Presidente do Sindmar e da Conttmaf