A recém-divulgada operação de compra de 30 navios Valemax, avaliados em mais de US$ 2,5 bilhões, por companhias de navegação chinesas – destinados a transportar, sobretudo, minério de ferro brasileiro – é dessas notícias que nos enchem de frustração e, por que não dizer, raiva. Porém, se bem deglutido, o episódio pode, ao menos, evitar que cometamos novas, digamos, burradas em setores tão fundamentais para o desenvolvimento do País como são a logística e o transporte marítimo.
No momento em que o governo e a Petrobras estudam ou já programam a queima de ativos lucrativos do grupo estatal, seguindo uma “lógica” estritamente financeira, que se limita, por decorrência, a uma perspectiva de curtíssimo prazo, em prejuízo de um planejamento estratégico de longo termo, fazer a correta lição, com base no exame desta operação, passa a ser um imperativo para todos aqueles que têm algum grau de ingerência e responsabilidade na questão.
Sim, porque, neste caso, mais uma vez os chineses estão nos dando um extraordinário e fabuloso exemplo de como o Estado deve se posicionar em prol do desenvolvimento, adotando medidas e estabelecendo diretrizes que permitam novas oportunidades para as suas empresas e, consequentemente, para os seus trabalhadores.
Lamentavelmente, no Brasil, em sentido inverso, vemos o Estado – compelido por uma ideologia que, embora não declaradamente, visa exclusivamente ao interesse do capital, não ao da Nação – desmantelando organizações e, a rigor, sem nenhum exagero ou força de expressão, eliminando não apenas postos de trabalho, mas a real perspectiva de um país mais próspero e promissor para os brasileiros. Eis o que está em jogo.
Conforme noticiado timidamente pela imprensa, em meados de março passado, as gigantes chinesas do transporte marítimo Cosco Group e China Merchants Group, com o apoio do ICBC Financial Leasing Corporation, zeram encomendas de 30 navios Valemax, capazes de transportar 360 mil toneladas (mais do que o dobro das embarcações da categoria Capesize hoje em operação). Um negócio que envolverá quatro grandes estaleiros globais. O objetivo da operação não é segredo: ampliar o controle sobre as exportações de minério de ferro provenientes do Brasil pelas próximas décadas, determinando o frete marítimo neste segmento, com pressão direta sobre os armadores ocidentais.
Em outras palavras, o intuito é controlar o valor dos fretes no comércio marítimo de minério de ferro. A Vale, ciente da importância estratégica deste segmento e do peso da China na importação de commodities minerais, até que tentou ter o domínio deste jogo. A empresa pretendia construir 60 navios do tipo Valemax para atuar no segmento. Como sabemos, 18 chegaram a ser entregues, a partir de 2010. Porém, quando iniciava a sua operação, a China proibiu este tipo de embarcação em seus portos, alegando forte “impacto ambiental”, uma medida que forçou a empresa brasileira a se desfazer dos navios.
Mas, quem poderia comprá-los? Claro, os armadores chineses, com decisivo apoio governamental. Com empresas nacionais assumindo os navios, o governo chinês não tardou a levantar o embargo à operação dessas embarcações em seus portos, o que ocorreu em junho de 2015. Nada mais previsível. Dentro do novo contexto, não restou à Vale alternativa a não ser fechar contratos milionários com os armadores chineses para o transporte de seu minério para a China. A propósito, a Vale e a Cosco acabam de firmar um acordo, com duração de 27 anos, pelo qual a armadora chinesa transportará 16 milhões de toneladas de minério produzidos pela companhia brasileira. Detalhe: para tanto, utilizará navios Valemax que haviam sido encomendados pela Vale. Dramática ironia.
Empresa com participação do governo federal, seja diretamente, seja indiretamente por meio de fundos de pensão, a Vale não contou, neste embate, com o apoio do governo brasileiro, e, por isso, o “cabo de guerra” com os chineses ficou insustentável. A omissão é reveladora da falta de visão estratégica que acomete nosso país. O resultado é que valores monumentais em divisas, na forma de pagamento de fretes marítimos, serão transferidos à China, ao invés de ficar no Brasil contribuindo para a melhoria da renda nacional.
Infelizmente, o episódio não é um caso isolado. Temos um extenso histórico de medidas – ou ausência delas – que denotam o descompromisso do Brasil com questões estratégicas. Neste exato momento, assistimos inertes aos entendimentos para a queima de ativos do Sistema Petrobras. E, entre esses, figura justamente uma empresa lucrativa, de importância fundamental para o país. A Transpetro fechou o ano de 2014 com faturamento de R$ 7,7 bilhões (os dados de 2015 ainda não estão fechados) e lucro líquido de R$ 905 milhões.
Ora, se o Sistema Petrobras precisa gerar caixa (para fazer frente à queda vertiginosa do barril de petróleo e a um cenário econômico externo adverso), por que deve se desfazer de uma subsidiária lucrativa e estratégica como a Transpetro? Não há lógica que justifique tal medida – a não ser que ela esteja sendo determinada não por critério técnico, mas sim por interesses não declarados, escamoteados por uma crise política artificialmente alimentada. Vale dizer que o faturamento da Transpetro avançou 14% entre 2011 e 2014.
Não custa lembrar que a Petrobras já paga R$ 12 bilhões por ano com afretamentos de navios, exatamente porque – devido a razões que até hoje jamais foram devidamente esclarecidas – não tem dado prioridade ao fortalecimento de sua própria frota. Esse valor seria suficiente para a construção das 49 embarcações previstas, há dez anos, no Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef) – lembrando que apenas 14 navios do programa foram efetivamente entregues. Hoje a frota da Transpetro conta com 54 embarcações, número insuficiente, que leva a Petrobras a ter contratos de afretamentos com 300 navios mundo afora. É dinheiro que sai do Brasil para gerar renda e empregos alhures. Faz algum sentido se desfazer da Transpetro, em vez de fortalecê-la, para que as nossas divisas não sejam destinadas ao pagamento de fretes no exterior?
A resposta é óbvia!
Artigo publicado no jornal Monitor Mercantil, em 29/04/2016 e replicado em veículos especializados sobre o setor marítimo.