A Câmara dos Deputados pode votar a qualquer momento as emendas feitas no Senado ao Projeto de Lei 4199/20, do Poder Executivo, que cria o programa BR do Mar, de incentivo à navegação de cabotagem.
Uma das emendas aprovadas diminuiu de 2/3 para 1/3 o percentual obrigatório de tripulantes brasileiros nos navios estrangeiros beneficiados pelo programa e o governo pressiona na Câmara pela aprovação do texto na forma como foi alterado no Senado.
Nossa organização sindical continua atuando na Câmara de Deputados, sob coordenação da Conttmaf, em defesa da soberania nacional na cabotagem e pelo retorno do texto aprovado na casa em 2020, que previa o emprego obrigatório de 2/3 de tripulantes nacionais, com comandante e chefe de máquinas brasileiros.
Nos últimos dias, a Conttmaf esteve reunida com diversos deputados, inclusive com o relator designado, deputado Sargento Gurgel (PSL/RJ), que também relatou o projeto na primeira fase.
Na quarta-feira, 8, foi aprovada a tramitação em regime de urgência requerida pelo deputado Ricardo Barros (PP/PR), líder do governo na Câmara.
Na quinta feira, 9, o projeto foi incluído na pauta do plenário pelo presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, mas não chegou a ser apreciado porque ainda não havia relatório.
Nesta sexta-feira, 10, Gurgel protocolou seu relatório na comissão especial em que atende o pleito apresentado pela Conttmaf e pela FNTTAA de rejeição à emenda nº 6 do Senado, que pretende diminuir o emprego de brasileiros.
Segundo fontes internas da Câmara, o PL poderá ser votado na segunda-feira, 13, devido à forte pressão do governo nesse sentido.
A Conttmaf, a FNTTAA e os Sindicatos seguem em intensa atividade de esclarecimento das lideranças da Câmara dos Deputados sobre a importância de que seja mantido o texto aprovado na casa em 2020, que estabelece 2/3 de tripulantes brasileiros a bordo das embarcações beneficiadas pelo BR do Mar.
Acesse o PARECER DE PLENÁRIO (NA CÂMARA DOS DEPUTADOS) SOBRE AS EMENDAS DO SENADO.
REVISTA UNIFICAR 54
Senadores votarão redução de postos de trabalho para marítimos brasileiros
Relatório apresentado na CAE reduz emprego para tripulantes nacionais em navios estrangeiros afretados no programa de incentivo à cabotagem, transformando o projeto de lei num presente de grego para os trabalhadores brasileiros e pondo em xeque a soberania marítima do país.
“Não confiem no cavalo, troianos. Eu temo os gregos, mesmo quando trazem presentes.”
Eneida, de Virgílio
Ainda em 2019, quando o Ministério da Infraestrutura delineou as primeiras ideias sobre um programa de incentivo à navegação de cabotagem, nossa organização sindical sinalizou o surgimento de fortes pressões para condicionar a capacidade do país de movimentar cargas domésticas aos interesses das empresas que dominam o mercado internacional, em detrimento tanto dos interesses dos usuários do serviço quanto dos marítimos brasileiros.
O Sindmar apontou a falta de transparência nas discussões e alertou para o risco de o Congresso ceder ao lobby de parte dos usuários por uma abertura irrestrita do setor, que permitiria a utilização majoritária de navios registrados em paraísos fiscais (as chamadas bandeiras de conveniência) e o emprego de marítimos de países de baixo custo em lugar de tripulantes nacionais.
É evidente o grave equívoco que essa opção pretendida por alguns usuários representa, visto que em pouco tempo não haveria garantia de disponibilidade de navios em nossa costa, elevando os custos do frete a patamares muito superiores aos atuais. Esse equívoco é motivado pela armação, que distorce os fatos na tentativa de obter controle e lucro fácil, farto e rápido.
Em dezembro de 2020, o Projeto de Lei 4.199/2020, conhecido como BR do Mar, foi aprovado na Câmara dos Deputados com o apoio dos sindicatos de trabalhadores marítimos, que consideraram as propostas equilibradas para as demandas da nossa cabotagem. Tendo acompanhado de perto a sua elaboração, as entidades sindicais contribuíram para que o texto incluísse a exigência de que pelo menos 2/3 dos postos de trabalho nos navios afretados sob a nova legislação sejam destinados a tripulantes brasileiros.
Durante a tramitação no Senado, o PL recebeu dezenas de propostas de emendas. As alterações que foram incluídas no relatório aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos – CAE poderão trazer consequências extremamente danosas aos interesses do País, ameaçando nossa capacidade de transporte marítimo e negando emprego aos nossos homens e mulheres do mar, o que poderia levar ao desaparecimento de uma marinha mercante genuinamente brasileira.
Ainda que o texto do BR do Mar aprovado na Câmara dos Deputados não tenha atendido a todos os anseios dos trabalhadores marítimos, há que se reconhecer que o projeto trouxe iniciativas positivas, capazes de levar ao aumento da carga transportada pelo mar e proporcionar a concorrência entre um número maior de navios. Iniciativas que poderiam contribuir efetivamente para reverter o quadro preocupante de redução de uma marinha mercante genuinamente nacional, com o seu eventual desaparecimento.
“Embora não seja isento de riscos para os marítimos brasileiros, o programa BR do Mar anunciado pelo governo e enviado ao Congresso Nacional (em 2020) continha os elementos essenciais que a Conttmaf, a FNTTAA, o Sindmar e os demais sindicatos coirmãos vêm defendendo ao longo de suas existências e pelos quais lutaram durante o período de formulação do projeto junto a representantes do governo, do Ministério da Infraestrutura e da Marinha do Brasil, visando à existência de marinha mercante que se possa identificar como brasileira”, informava a nota divulgada pelo Sindmar durante a tramitação do PL na Câmara.
A criação de um cenário econômico mais equilibrado na cabotagem, diversificando as opções de transporte para os usuários, acarretaria ganhos em escala para a sociedade. E em se mantendo um percentual significativo de brasileiros empregados a bordo, haveria perspectiva de aumento no número de vagas para tripulantes nacionais, melhorando o contexto atual.
O texto aprovado pelos deputados estabelece que as embarcações beneficiadas pelo programa deverão contar com 2/3 de tripulantes nacionais, além do comandante e do chefe de máquinas. Ocorre que, no Senado, surgiram movimentos contrários a essa disposição, propondo a redução dos postos de trabalho para os brasileiros.
Tais propostas são motivadas por um forte lobby de grandes armadores que não esconde sua intenção de tornar a cabotagem do Brasil um ambiente sem regras, no qual as grandes empresas internacionais é que definirão como ocorrerá o transporte, sem legislação que garanta a existência de uma marinha mercante genuinamente brasileira.
“Para início de conversa, os usuários do transporte marítimo (e, por consequência, o Brasil) se tornariam dependentes de mão de obra estrangeira e ficariam à mercê dos interesses geopolíticos de outras nações. Além disso, a ausência de brasileiros nas tripulações levaria a uma drástica redução da estrutura nacional de formação e aperfeiçoamento de oficiais e subalternos da Marinha Mercante”, explica Odilon Braga, diretor-secretário geral do Sindmar.
“Não há navios brasileiros atuando no transporte de granel no longo curso há anos e é preocupante que o Brasil, na condição de grande produtor mundial de produtos agrícolas e minerais, não tenha um navio sequer de sua bandeira atuando em viagens internacionais, ficando completamente dependente dos interesses daqueles países que efetivamente controlam frotas marítimas.”
José Válido
Segundo-presidente do Sindmar
Trabalhadores marítimos são o último elo entre o Brasil e sua cabotagem
No intuito de combater as iniciativas de desnacionalização da cabotagem, o Sindmar realizou no início do ano uma campanha de esclarecimento junto ao Senado Federal, quando os marítimos enviaram cartas para os senadores de seus estados ressaltando a necessidade de se manter a nossa capacidade de transporte com recursos nacionais para que o Brasil não se torne ainda mais dependente de outros países no comércio marítimo.
A configuração atual do Senado e os movimentos do governo em busca de sustentação política são capazes de gerar distorções nos objetivos do programa de incentivo. Sendo assim, a organização sindical marítima brasileira acredita que a participação de cada marítimo nacional disposto a contribuir na defesa de nossos postos de trabalho, atuando segundo as orientações dos sindicatos, poderá ser determinante para sensibilizar os parlamentares sobre a importância de uma marinha mercante com bandeira própria.
Em abril, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários e Aéreos, na Pesca e nos Portos – Conttmaf, a Federação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviários e Afins – FNTTAA, o Sindmar e os sindicatos marítimos coirmãos encaminharam ofício ao senador Nelsinho Trad, relator do PL, alertando sobre os riscos que alterações no texto poderiam trazer.
Antes disso, a Conttmaf já havia enviado para deputados e senadores um vídeo* com esclarecimentos sobre a necessidade de se manterem os postos de trabalhos para brasileiros a bordo das embarcações beneficiadas pelo programa, seguido de material produzido pelo videoblogger Nuseir Yassin, autor da série Nas Daily, abordando os perigos de se operar com navios com bandeiras de conveniência e tripulação de baixo custo, que incluem maiores riscos de acidentes, poluição e crimes como lavagem de dinheiro.
*Assista ao vídeo a seguir:
“Usuários que produzem commodities destinadas essencialmente à exportação, como é o caso das mineradoras e do agronegócio, utilizam navios de longo curso, que não serão abrangidos pelo programa de estímulo à cabotagem. Não há navios brasileiros atuando no transporte de granel no longo curso há anos e é preocupante que o Brasil, na condição de grande produtor mundial de produtos agrícolas e minerais, não tenha um navio sequer de sua bandeira atuando em viagens internacionais, ficando completamente dependente dos interesses daqueles países que efetivamente controlam frotas marítimas”, observa José Válido, segundo-presidente do Sindmar.
Conttmaf defende no Senado cabotagem com emprego para tripulantes nacionais
Em 20 de agosto, o presidente do Sindmar e da Conttmaf, Carlos Müller, participou por videoconferência de sessão temática no Senado Federal sobre o BR do Mar. Müller reafirmou o apoio dos marítimos brasileiros às iniciativas para aumentar o transporte de cargas pelo mar e promover maior concorrência na cabotagem, contanto que sejam mantidas as condições para a soberania marítima do Brasil já previstas no texto aprovado na Câmara. Isso se traduz em preferência para os navios de bandeira nacional comandados e chefiados por brasileiros e operados por 2/3 de tripulantes nacionais, com possibilidade de serem complementados por navios de outras bandeiras.
Müller lembrou ao senador Nelsinho Trad, relator do PL, e aos demais participantes do evento – entre eles o ministro da Infraestrutura Tarcísio Gomes de Freitas – que os Estados Unidos, país citado pelo governo como exemplo de liberalismo econômico a ser seguido pelo Brasil, têm arraigada em sua cultura a importância do controle da marinha mercante para garantir liberdade econômica. Tanto assim que, entre as condições para um navio operar na cabotagem norte-americana, estão que ele precisa ser construído em estaleiro local, com aço produzido no país, o controle da empresa tem de ser norte-americano e a tripulação a bordo deve ser composta por, no mínimo, 75% de marítimos nacionais. (leia artigo na página 18 da Revista Unificar 54)
“Pelas condições oferecidas no projeto BR do Mar, a tripulação a bordo é o último link genuinamente nacional da Marinha Mercante com o Brasil. A presença de comandante, chefe de máquinas e 2/3 de tripulação brasileira agrega mais segurança ao transporte marítimo, bem como estabelece um compromisso maior com a sociedade brasileira no efetivo cumprimento das leis, na proteção do meio ambiente, na prevenção da poluição marinha e na baixa ocorrência de acidentes. Desta forma, a continuidade do projeto com a garantia de emprego de marítimos brasileiros é uma necessidade para contemplar os interesses genuinamente nacionais”, defendeu o presidente da Conttmaf.
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Relator do BR do Mar foi informado sobre os equívocos incluídos no programa
Em 14 de setembro, o presidente da Conttmaf se reuniu em Brasília com o relator do PL BR do Mar, senador Nelsinho Trad, para alertá-lo sobre a importância de que o programa, em sua tramitação no Senado, mantenha 2/3 de tripulação nacional, além do comandante e do chefe de máquinas, nas embarcações que vierem a se beneficiar da nova legislação.
Carlos Müller, que é capitão de longo curso da Marinha Mercante, procurou mostrar a Trad o absurdo que seria um programa de incentivo à cabotagem oferecer fartas vantagens para os armadores internacionais operarem no Brasil sem, todavia, estabelecer compromissos e contrapartidas que promovam a existência de uma frota própria, dotada de navios modernos em bandeira brasileira e com a presença significativa de trabalhadores nacionais nos empregos que serão criados.
Müller chamou a atenção do parlamentar para o fato de que o lobby formado por empresas de transporte marítimo e alguns usuários se juntou ao Ministério da Economia na propagação de uma visão extremamente imediatista do que se poderia alcançar com alterações ao texto aprovado na Câmara dos Deputados. “A ideia defendida pela pasta da Economia, comandada por Paulo Guedes, é de que é necessário reduzir o número de trabalhadores brasileiros a bordo dos navios para tornar o programa BR do Mar mais atrativo para novos armadores. Isso não apenas é uma proposição absurda, como retrata claramente a ausência de compromisso da atual gestão desse ministério com os interesses da população brasileira e o desenvolvimento sustentável do Brasil no longo prazo. Eliminar empregos de brasileiros ou precarizá-los, como vem propondo o Ministério da Economia, não irá contribuir para aumentar a atividade econômica nem para criar um ciclo produtivo em que haja consumo”, aponta o presidente da Conttmaf.
Para a organização sindical marítima, as mudanças que vêm sendo incorporadas ao relatório no Senado parecem desconsiderar os perigos de se priorizar a redução imediata e substancial de custos, comparando equivocadamente a cabotagem à navegação de longo curso. A disponibilidade de transporte marítimo correrá grande risco de ficar comprometida em pouco tempo, caso sejam mantidas as alterações propostas. No cenário mundial, os fretes cobrados pelos armadores para o transporte de contêineres têm batido marcas históricas ao longo dos últimos meses. Sem navios nacionais atuando no longo curso, resta aos usuários brasileiros que exportam ou importam pagar o preço exigido pelas transportadoras internacionais.
Se conseguirem extinguir o que resta de genuinamente nacional na Marinha Mercante, eliminarão do Estado brasileiro sua capacidade de realizar o abastecimento básico da população, de garantir segurança alimentar e combustíveis. Ficaremos, assim, completamente à mercê dos interesses dos países que estão no controle do transporte marítimo, aqueles que não duvidam da importância estratégica deste setor para terem viabilidade econômica. Se tivermos dificuldade em compreender isso, o custo que pagaremos mais à frente será bem alto.
“Quando se depende de outros países para a navegação de cabotagem, seja porque faltam navios registrados na própria bandeira ou porque os trabalhadores são de outras nacionalidades, há chances de não haver transporte marítimo disponível caso interesses comerciais ou algum conflito internacional leve as nações a reordenarem suas frotas, ou mesmo na ocorrência de um crescimento econômico vigoroso em países que contam com grande população e participação significativa no comércio mundial”, conclui Müller.