A sociedade brasileira enfrenta o drama cada vez maior de se informar sob uma avassaladora pressão manipuladora
Por Severino Almeida Filho
É óbvio que aqueles que possuem conhecimentos históricos e políticos limitados aos adquiridos nos facebooks da vida terão dificuldade para compreender o drama em que mergulhamos. Mas, aqueles que sabem o que foi um partido como a UDN na política nacional, formalmente existente entre 1945 e 1964, percebem bem o casuísmo da utilização da indignação com a corrupção como bandeira. Mas, não seria próprio a este editorial aprofundar o tema nem fazer elucubrações sobre os filhotes da UDN.
O fato é que neste casuísmo mora o perigo!
É inegável que houve em nosso país, ao longo da primeira década deste século e nos primeiros anos desta década, uma melhor redistribuição de renda e uma efetiva valorização dos salários que permitiram a milhões de brasileiros consumir o que jamais tinham consumido. Não há regime de Casa Grande e Senzala que se sustente em tal cenário. Riqueza não é gerada por geração espontânea e aos senhores e senhoras da Casa Grande não importa quanta farinha se possa produzir: o pirão deles está sempre em primeiro lugar.
Sob domínio de meia dezena de ilustres famílias da Casa Grande, a mídia nacional, com missões de difícil percepção ao cidadão comum, tem tratado a população como um conjunto de elementos idiotas e manipuláveis. Rádios, revistas, jornais e televisões não nos dão oportunidades de conhecer e discutir os reais abismos para os quais empurram nossa sociedade. Limitam-se a promover todo tipo de denúncias, convenientemente centradas ou relacionadas às principais figuras do Poder Executivo do mencionado período, o ex-presidente Lula e a atual Presidente Dilma.
Para temperar o molho da indignação, ao longo do processo de geração da idiotia coletiva, também serve qualquer entidade de caráter associativo mais esclarecida, que possa e queira defender o que não interesse à Casa Grande. É óbvio que os sindicatos, por seu próprio perfil, servem como tal tempero.
Neste afã, comportamentos criticáveis de dirigentes sindicais são divulgados à exaustão, como se não fosse razoável esperar que, entre milhares de sindicatos, categorias e dirigentes sindicais, não ocorressem abusos, desmandos e corrupção. Contudo, nunca se estimula a reflexão sobre os artifícios do sistema capitalista na cooptação de maus sindicalistas. Comparando, seria como incentivar uma hipotética eliminação da fé católica e a crucificação do Papa Francisco porque há quem abuse de crianças na estrutura da Igreja Católica!
Aposta a mídia na capacidade humana de se entregar à idiotia coletiva, crendo que ninguém é melhor do que o idiota para navegar em um mar de lama casuístico. Chega a ser ofensiva a forma como a nossa inteligência é tratada. A tecnologia, escudada pelas chamadas redes sociais, ou bestiais, como preferem alguns, tem se mostrado instrumento imprescindível para a geração deste novo espécime humano, o midiota. Os barões da mídia exultam e creem-se capazes de os formarem aos milhões.
Ao midiota, por exemplo, não são oferecidas a indignação e as lembranças de processos escandalosos das privatizações já realizadas, ocasiões em que se subtraíram bilhões de nossa moeda e riqueza para proveito de poucos. Tais absurdos não mereceram tratamento à altura do que hoje se costuma dar a assaltos nos galinheiros alheios, promovidos por políticos de partidos que deveriam repudiar práticas udenistas e, não, desenvolvê-las. Infelizmente a corrupção maltrata o Brasil há séculos e é lícito que cobremos a sua eliminação. Neste ponto, a mídia pode e deve contribuir. No entanto, o mar de lama casuístico – levantado sempre que políticas de distribuição de renda, ampliação de direitos e promoção de justiça social tentam reduzir a distância entre a Casa Grande e a Senzala – deve receber, de todos nós, o necessário e indispensável repúdio.
A mídia nacional tem se especializado em condicionar a divulgação de notícias a um processo de formação de opinião favorável aos interesses das ditas classes dominantes, também chamadas, no criativo linguajar de Gilberto Freire, de moradores da Casa Grande. Aos pobres integrantes da Senzala resta o papel de se convencerem de que vivem em um mar de lama, criado especialmente pelo atual governo, em uma evidente reedição casuística de campanhas do século passado. Processo que faz as delícias de quem foi formado nos gramados da União Democrática Nacional – UDN. O objetivo do jogo é impedir mudanças no ambiente de “Casa Grande e Senzala” instalado em nosso país desde as capitanias hereditárias. Seus utilizadores têm pedigree. Lembrem-se ou, se não conhecem, conheçam o cenário vivido por Getúlio Vargas, para ficarmos neste exemplo e não avançarmos no jogo dramático vivenciado na década seguinte, nos tempos de Jango.
Neste teatro geral de massacre midiático, os trabalhadores e as trabalhadoras do setor marítimo não são moradores de uma ilha isenta de arrebentações provocadas por tal mar de lama e pela ausência na mídia da discussão das graves questões que afetam a vida de todos nós. Basta o exemplo da Petrobras, sem nos limitarmos aos escombros revolvidos pela operação denominada Lava-Jato.
A Petrobras está se apequenando. Corre o risco de ser fatiada com graves consequências para a vida de milhões de brasileiros, entre estes milhares de marítimos, em um processo consequente à miopia intencional midiática, que não se dedica em absoluto a cobrar compromissos sociais em uma empresa que deve ser olhada como expressão de um Brasil grande. De um Brasil que promova sua capacidade produtiva. Impressiona a escassez de pautas na mídia nacional que promovam a discussão sobre saídas possíveis para as dificuldades temporárias desta joia da coroa brasileira que é a Petrobras. Só há espaço para a lama!
O anunciado “desinvestimento” pela nova direção da Petrobras; a falta de interlocução com o setor; e a ausência de diretores da empresa com sensibilidade social e que conheçam a área estão rapidamente tornando o nosso mar grosso e destruindo uma dúzia de anos de avanços significativos. Não nos interessam políticas tão ao gosto de partidos que, ao longo de seus governos, não nos possibilitaram sequer resquícios de soerguimento da construção naval e legislação voltada à geração e à defesa de nossos empregos.
Talvez resida aí o interesse pelo midiota. No nosso setor, por exemplo, só um idiota formado pela mídia no Brasil pode sentir falta do caos que nós, marítimos, enfrentamos do meio da década de 80 ao início do novo milênio. Para alguém fora do setor, tal erro de avaliação pode ser consequência de desconhecimento, mas, para um marítimo, tal erro é imperdoável. Nós vivemos e sofremos naqueles anos!
A democracia é tão curiosa quanto valiosa. Nela, aqueles que integram a Casa Grande têm todo o direito de defender seus interesses. Têm direito à manutenção da concentração do capital, da exploração de trabalhadores e trabalhadoras, da manutenção da injustiça social, por exemplo. Por mais imoral e perverso que isto possa ser! Até mesmo mais imoral e perverso do que os atos desonestos de políticos bandidos. A Casa Grande tem o direito até de tentar produzir midiotas.
Mas, a democracia é também valiosa porque, por maior paradoxo que isto possa parecer, o mesmo sistema que permite tal manipulação para proveito de poucos, também nos permite reagir. E precisamos reagir com a razão e com disposição de luta. De ir à rua, de protestar, de demonstrar que midiotas não seremos.
Para o bem de trabalhadores e trabalhadoras, estejam no mar, em terra ou no ar, a aposta na “midiotização” de nossa sociedade não pode vingar!
Que venham os ventos fortes! Neles fomos formados!