A Diretoria de Portos e Costas – DPC acaba de lançar o documento Orientações de Conduta Ética para os Profissionais da Marinha Mercante, em que se propõe a oferecer parâmetros positivos de comportamento para uma atuação regrada não apenas pelo conhecimento técnico, mas também por um ideário de virtudes. Não podemos deixar de saudar a iniciativa da Marinha do Brasil em demonstrar interesse por um tema que tem sido abordado com insistência pelo SINDMAR perante a DPC nos últimos anos. Na apresentação do documento publicado, a Marinha do Brasil registra a iniciativa do SINDMAR, do qual recebeu sugestão para estabelecimento de um Código de Ética dos Oficiais Mercantes em 2016, mas registra também ter consultado a entidade patronal da Armação a partir da nossa proposta original.
A frequência de casos em que comportamentos não éticos são evidenciados vem aumentando, o que torna a questão da conduta ética relevante e motivo de preocupação para a comunidade marítima. Não é de nosso interesse coletivo que comportamentos não éticos adotados por alguns de nossos companheiros fiquem sem reprimenda ou que sejam fomentados pela inexistência de sanção a quem os pratica. O SINDMAR entende que tal problema conta com uma parcela de responsabilidade da própria Marinha do Brasil.
Ao mesmo tempo em que os Centros de Formação priorizam questões técnicas que serão importantes na vida profissional dos futuros Oficiais, deixam de contribuir na formação de consciência sobre questões essenciais para um comportamento de mais elevada ética. O papel da organização coletiva em busca do bem comum e a importância do Sindicalismo Marítimo no estabelecimento de condições laborais justas são exemplos de temas que deveriam ser oferecidos aos alunos das EFOMM. Apesar de nossa formação ocorrer em ambiente militar, é necessário considerar que, ao ingressar na profissão, os Oficiais Mercantes encontram um ambiente completamente diferente daquele em que foram formados. Alguns podem acabar avaliando que devem competir sem limites para chegar ao topo, sem se importar com a coletividade, ou adotar comportamentos voltados unicamente para a satisfação de seus anseios pessoais, não levando em conta o reflexo de suas atitudes em seus companheiros e na sustentabilidade de nossa atividade.
Tal situação acaba favorecendo a prevalência dos interesses do patronato, marcadamente estrangeiro e financista em nosso país, sem os compromissos que a mesma nacionalidade e os elos de pertencimento a uma comunidade permitem firmar. Na falta de armadores brasileiros, empresas estrangeiras estabelecem filiais em nosso País para poderem explorar a navegação marítima, como a nossa legislação determina. Há tempos que a maior parte dos armadores no Brasil já não é de brasileiros. Essa Armação nem de longe demonstra importar-se com questões relevantes para a nação e para a existência de uma Marinha Mercante genuinamente brasileira, com navios e marítimos nacionais.
Em um passado mais distante, apesar das nossas divergências com a armação, havia interesses comuns entre armadores e Marítimos brasileiros. A Armação que hoje está estabelecida no Brasil, contudo, é importante que se diga isso com clareza, não tem interesse na nossa presença a bordo de seus navios. Trabalha abertamente para nos eliminar do mercado, substituindo-nos por mão de obra oriunda de países de baixo custo, em condições com as quais não podemos competir. Consultar esses armadores sobre questões que nos afetam relacionadas a comportamento ético dos Oficiais Mercantes brasileiros chega a ser um insulto. Não raramente, comportamentos de subserviência e individualismo surgem entre o nosso pessoal, estimulados por essa Armação, contrariando nossos interesses coletivos e diminuindo as nossas chances de manter as posições de dignidade profissional que hoje ocupamos.
Um código de ética, por melhor que seja, não terá qualquer efeito se não houver consequências e certeza de sanção a quem infringi-lo. Até aqui, possíveis sanções àqueles que descumprirem as orientações éticas publicadas pela Marinha são remetidas a uma apuração do Comandante do Navio e os descumpridores estão sujeitos a responder administrativamente perante seus contratantes. Isso pode até ser adequado para questões disciplinares de menor importância, como já está previsto em nossa legislação. Mas, não podemos concordar com esse expediente que muito mais facilmente será usado para reforçar a cultura já existente de subserviência à armação.
Esse risco não pode ser desconsiderado quando se constata que o gerenciamento das embarcações está cada vez mais sendo retirado das mãos dos Comandantes e Chefes de Máquinas e transferido para pessoas em terra, nos escritórios dos armadores, que muitas vezes contam com pouca ou nenhuma experiência a bordo de navios mercantes. Técnicos que não dominam as etapas do trabalho realizado a bordo e não compreendem os efeitos causados por decisões equivocadas que tomam. Não cabe à Armação, nem à Marinha do Brasil e nem mesmo ao Comandante do navio julgar a conduta ética dos Oficiais Mercantes. O SINDMAR entende ser imprescindível, e assim defende, que eventuais violações éticas resultantes das ações de Oficiais Mercantes sejam apreciadas e julgadas por seus próprios pares em um Conselho de Ética dos Oficiais Mercantes composto por profissionais eleitos pela classe.
Há, portanto, um caminho a ser percorrido para que a questão da Conduta Ética seja encarada de forma efetiva em busca de mudanças necessárias e urgentes. A publicação está disponível para consulta e download no portal da DPC.