No Brasil, não há notícia de pagamentos vultosos de bônus para os trabalhadores marítimos. As empresas armadoras que atuam no país, quando pagam participação nos lucros e resultados ou prêmios por desempenho, passam longe do fenômeno observado internacionalmente.
Nesse cenário, não há como acreditar nas alegações do governo brasileiro de que o custo da tripulação nacional possa ser superior ao da tripulação internacional – argumento utilizado para justificar o recente veto presidencial ao emprego de 2/3 de marítimos brasileiros nos navios estrangeiros autorizados a operar no Brasil – nem mesmo quando se considera a tributação que é imposta pelo próprio governo aos brasileiros apenas.
As empresas de transporte marítimo em outras partes do mundo, por sua vez, vêm se destacando no noticiário financeiro devido aos altos ganhos obtidos com o frete durante a pandemia de Covid-19.
Estima-se que em 2021 as transportadoras de carga globais tenham registrado coletivamente US$ 150 bilhões em lucros, uma cifra recorde considerada “surreal” por especialistas do setor. Para 2021 e 2022, o lucro antes dos impostos do transporte de contêineres pode chegar a US$ 300 bilhões, de acordo com a Drewry, consultoria independente de pesquisa marítima
Ao mesmo tempo, as transportadoras estrangeiras vêm enfrentando uma escassez de mão de obra causada por trabalhadores mal pagos e insatisfeitos com os embarques prolongados durante a pandemia, que ameaça enfraquecer a já precária cadeia global de suprimentos e colocar esses lucros estratosféricos em risco.
Segundo pesquisa da organização The Mission to Seafarers, a experiência de trabalhar durante a pior crise sanitária de nosso tempo levou muitos marítimos que atuam em contratos internacionais a quererem deixar sua ocupação, e o relatório aponta para a probabilidade de um déficit crescente de tripulantes estrangeiros nos próximos anos.
Para convencer os marítimos a permanecerem em seus empregos, várias das grandes companhias marítimas do mundo estão aumentando salários e distribuindo bônus que efetivamente triplicarão ou quadruplicarão os salários durante o ano. Deste modo, os armadores internacionais acreditam que terão tripulação para operar suas embarcações, incluindo aquelas compradas ou encomendadas durante a pandemia.
A Maersk, segunda maior companhia de navegação do planeta – que deve reportar um lucro anual igual ou superior aos lucros combinados dos últimos nove anos – deu a cada um de seus 80.000 funcionários um bônus fixo de US$ 1 mil. A gigante francesa CMA CGM anunciou bônus no valor de oito semanas de salário. A linha de navegação coreana HMM prometeu aos trabalhadores bônus no valor de até 6,5 vezes seus salários mensais, além de um aumento de 7,9%.
Quantias ainda maiores foram distribuídas pelas companhias marítimas em Taiwan e na China. A gigante taiwanesa Evergreen concedeu aos seus trabalhadores bônus no valor de até 40 meses de salário em dezembro. Já a Wan Hai, outra taiwanesa, estipulou bônus anuais no valor dos salários de um ano inteiro mais US$ 36.079. A companhia de navegação estatal chinesa Cosco, por sua vez, deu aos trabalhadores bônus no valor de até 30 meses de salário.
Disposta a competir pela mão de obra marítima, a Mediterranean Shipping Company (MSC), maior empresa de navegação do mundo, lançou anúncios de recrutamento na Coreia do Sul para atrair marinheiros que normalmente trabalhariam para a HMM com promessa de US$ 5 mil de salário mensal (cerca de 2,5 vezes o que a HMM paga). Centenas de marinheiros da HMM foram atraídos pela oferta.
Passados cerca de dois anos de enfrentamento à Covid-19, não se observou na cabotagem brasileira essa extraordinária elevação no nível dos fretes.
A previsibilidade e a estabilidade em relação ao cenário internacional ocorrem essencialmente devido à existência de navios de bandeira brasileira efetivamente submetidos às regras do Estado brasileiro e tripulados por marítimos nacionais.
Mesmo durante a pandemia, a cabotagem brasileira continua crescendo. Em 2021 a movimentação de contêineres no setor aumentou 13,2% segundo a Antaq.
Fontes: Quartz, Fortune e Forbes