No navio LNG FRSU Experience, a tripulação, de maioria estrangeira, formada por ucranianos, croatas, filipinos e belgas desrespeitou um de seus membros: uma brasileira e única mulher a bordo, que relatou ter sido vítima de assédio moral. Ao ser informado do problema, o SINDMAR, que defende a presença feminina em todos os postos de trabalho da Marinha Mercante, imediatamente manifestou seu repúdio ao ocorrido, apurou a denúncia e cobrou, tanto do armador como da agência, providências para sanar a situação.
Segundo a Oficial de Máquinas (não a identificaremos para preservar sua identidade), o problema começou quando o 1OM do navio, de nacionalidade ucraniana, colocou fotos de mulheres nuas como proteção das telas nos dois computadores da praça de máquinas, em abril passado. As imagens, expostas em um equipamento de uso comum, constrangeram a Oficial, que se reuniu com a tripulação do centro de controle de máquinas, para pedir que as fotos fossem retiradas. Ela explicou seu desconforto aos companheiros de trabalho, ainda mais sendo a única mulher a bordo, e lembrou que essa conduta, além de reprovável, não é aceita no Brasil, onde as mulheres são tratadas com respeito no ambiente mercante.
As fotos foram removidas, mas, no embarque seguinte, as imagens voltaram às telas dos computadores, desta vez acompanhadas de calendários igualmente ilustrados com nus femininos. Novamente, a Oficial pediu a retirada das fotos, porém, foi surpreendida com a recusa do Chefe de Máquinas, de nacionalidade belga, em atendê-la. Ele alegou que, após discutir o assunto com o Comandante, decidira não retirar as fotos, já que a empresa não estipulava qualquer norma que proibisse a exposição daquele tipo de conteúdo a bordo.
Apesar de contar com o apoio dos tripulantes brasileiros, ela afirma que passou a ser alvo de chacota dos colegas estrangeiros:
“Os brasileiros me apoiaram, pois também não se sentem confortáveis com essa falta de respeito. Tentaram explicar que o ato atentava contra a moral e os bons costumes do nosso país. Mas os outros repetiam que não entendiam por que eu me sentia ofendida. Começaram as piadas e deboches. O 1OM realizou uma votação para retirar ou não as fotos e ainda disse que isto era democracia. Eu me senti humilhada”, disse a Oficial.
Como o problema só piorou, a Oficial de Máquinas levou a questão ao Comandante, um ucraniano, mas este, de acordo com ela, em vez de apoio e orientação, a teria tratado com sarcasmo, dizendo que ele próprio gostava de olhar para as fotos. Ainda segundo a brasileira, ele teria sugerido um rodízio de fotos com modelos masculinos e femininos, para que a Oficial, que é casada, ficasse feliz.
E nenhuma providência quanto às fotos e ao comportamento ofensivo de parte da tripulação foi tomada.
A resposta do SINDMAR
Acionado pela Oficial de Máquinas, que levou sua denúncia à Delegacia Regional do SINDMAR em Recife, onde vive, o Sindicato imediatamente entrou em contato com a V.Ships, agência que presta serviços de gestão a várias empresas do setor marítimo, incluindo a empresa norte-americana Excelerate, dona do navio em questão. O SINDMAR registrou a ocorrência de assédio moral e discriminação de gênero, por considerar que imagens eróticas femininas não são condizentes com práticas respeitosas num convívio entre gêneros distintos em ambiente de trabalho, e solicitou que fossem tomadas providências que coibissem esse comportamento inadequado. Apesar de reconhecer que tripulantes de diferentes nacionalidades possuem cargas culturais distintas, em mensagem encaminhada à V.Ships, o Presidente do SINDMAR, Severino Almeida Filho, caracterizou como inaceitável a conduta da tripulação estrangeira.
“A nacionalidade brasileira encontra-se a bordo muito mais como uma imposição legal soberana de nosso país do que como uma conveniência ou preferência do armador. Diante disto, as práticas e costumes próprios de nossa cultura devem ser respeitados. Levamos a sério o desconforto moral causado por exposição de imagens que seriam mais adequadas a outros ambientes”, ressaltou o Presidente da entidade.
O SINDMAR manifestou, também, sua indignação pela forma jocosa como foi tratada a reclamação da Oficial, exigindo da V.Ships um pedido de desculpas formal da administração de bordo à marítima. Para o Sindicato, é legítimo que cada tripulante exponha, nos limites de sua privacidade, como em seu camarote, por exemplo, aquilo que lhe agrade, mas considera intolerável que imagens que causem incômodo, desconforto ou repúdio sejam impostas indiscriminadamente a toda a tripulação.
A V.Ships declarou que seus clientes são informados sobre as diferenças culturais e as práticas de respeito mútuo responsáveis pela boa convivência entre a tripulação. A agência confirmou que o fato já havia sido reportado ao armador e lamentou que o comportamento a bordo não tivesse mudado. Em comunicação com o SINDMAR, o Diretor-Presidente da V.Ships, Leo Freitas, a rmou que “situações como esta não são aceitáveis em nenhum escritório da empresa, seja no Brasil ou no exterior”, acrescentando que tomariam as devidas providências. Segundo a agência, foi realizada uma reunião a bordo do navio com os tripulantes, para evitar que o problema se repetisse.
As fotos foram finalmente retiradas e a Oficial recebeu um pedido de desculpas formal do Presidente da V.Ships, que informou a ela que a Excelerate estava ciente do fato.
Avaliação sob suspeita
Apesar de todo o constrangimento e da atuação firme do SINDMAR, os problemas de nossa companheira não cessaram. Ela relatou ao Sindicato que o Chefe de Máquinas fez sua avaliação criticando a posição dela no episódio das fotos.
O superior, então, teria enviado um relatório desabonador à empresa, apontando má conduta a bordo, comportamento inesperado e falta de tolerância por parte da Oficial.
“Ele disse que se eu não mudasse minha atitude, eles iriam me demitir. Isto, para mim, foi uma ameaça e eu não fiz nada de errado. Eu me senti totalmente humilhada, desrespeitada e rebaixada”, lamentou.
O SINDMAR acompanha o caso e voltará a agir de maneira incisiva, caso a Oficial seja vítima de retaliação.