Por Mauro Osorio
Em momento de crise, em que setores minoritários chegam a defender o golpe militar e existe forte demonização da política e dos políticos, vale a pena revisitar a trajetória brasileira desde os anos 1980.
Em 1985, quando os militares abandonaram o poder, o país possuía uma inflação anual de 242,23%, grave crise das contas externas e passava por forte desorganização do setor público.
Com a redemocratização, o analfabeto passou a ter direito de voto. Em 1988, foi promulgada a nova Constituição, a Constituição Cidadã, que sofreu fortes críticas de vários setores, mas que, com o tempo, mostrou-se um enorme avanço.
A Constituição privilegiou dar legitimidade à defesa dos direitos sociais e individuais, criou um avançado sistema de seguridade social e contou com forte participação popular.
Em 1994, o Plano Real beneficiou os pobres, que não tinham conta bancária e, por isso, não tinham mecanismos de defesa contra a inflação, por exemplo, através de contas remuneradas.
Além disso, o salário mínimo começou a sofrer significativas elevações, além da inflação. Quando ocorreu o Plano Real, o salário mínimo era de R$ 64,00. Imediatamente passou para R$ 70,00 e, em 1995, por iniciativa do Congresso e à revelia da então equipe econômica do governo, foi elevado para R$ 100,00.
A partir dos anos 2000, institucionalizou-se uma política de elevação real do salário mínimo. Por esse motivo, enquanto em agosto de 1964 o salário mínimo valia apenas US$ 75,75, em abril de 2015, valia US$ 352,28.
Diversas políticas sociais foram implantadas, ampliando qualitativamente o seu peso no orçamento público. Essas iniciativas geraram uma incorporação ao mercado consumidor estimada em torno de 40 milhões de brasileiros.
Quanto aos indicadores sociais, o quadro no Brasil ainda é de enorme desigualdade, mas avanços importantes ocorreram. Quando olhamos, por exemplo, para o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municípios, organizado pelo PNUD, vemos que, em 1991, 4.777 municípios tinham IDH “muito baixo” e, em 2010, apenas 32. Com IDH “alto”, em 1991, não havia nenhum município e, em 2010, atingimos 1889 municípios com essa classificação.
Ainda existem enormes desafios. Do ponto de vista político, o desafio neste momento de crise e avanço de uma agenda conservadora é preservar as conquistas sociais que ocorreram. Além disso, apoiar as investigações de corrupção, procurando jogar a água fora sem levar a criança junto, preservando a capacidade tecnológica e a competitividade desenvolvida no Brasil em áreas hegemonizadas por empresas que têm executivos e acionistas investigados.
Deve-se também defender o fim do financiamento empresarial de campanha. Alguns, mais conservadores, afirmam que isso gerará apenas uma ampliação do caixa 2. Discordo. Tendo em vista a atual estruturação do Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal, e a diminuição que ocorrerá nos gastos médios de campanhas, será fácil investigar aquele que ficar um ponto fora da curva.
Ou seja, a questão não é demonizar a política nem acreditar que o atual volume de gastos sociais é inviável, mas sim verificar como podemos avançar na democratização, na transparência e no planejamento. Fazer o país voltar a crescer de forma sustentável, ampliando a base de arrecadação sem aumentar o que cada um paga de impostos. Buscar também a simplificação da estrutura tributária. Mais democracia e maior debate público, realizado de forma “desarmada”.