Com a reabertura de vagas após a eliminação de empregos no início da pandemia de Covid-19, os salários no país se mostram em queda, tendo atingido o menor nível em quase dez anos. No trimestre até outubro de 2021, a renda média real, habitualmente recebida pelos trabalhadores ocupados, foi estimada em R$ 2.449 por mês, o valor mais baixo de todos os trimestres da série histórica do IBGE, iniciada em 2012. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada em 24 de fevereiro pelo IBGE.
A inflação não foi a única causa da queda na renda dos trabalhadores. “A criação de vagas com salários mais baixos, em grande parte associada ao mercado informal, também ajuda a explicar o rendimento inferior”, explica a coordenadora de Trabalho e Rendimento do IBGE, Adriana Beringuy.
“A mistura de atividade econômica fraca e inflação persistente jogou a renda para baixo. O rendimento é o menor da série, um problema seríssimo. Desde 2012, o brasileiro não ganha tão pouco”, analisa o economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito.
O setor informal respondeu por mais da metade das novas vagas. Dos 3,3 milhões a mais de ocupados até outubro, frente aos três meses anteriores, 54,1% (1,8 milhão) atuavam sem carteira assinada ou CNPJ.
Ainda segundo o IBGE, com dados de 2019, 90% dos brasileiros têm renda inferior a R$ 3,5 mil por mês (R$ 3.422,00) e 70% ganham até dois salários mínimos (R$ 1.871,00, para um salário mínimo de R$ 998,00 em 2019). A renda mensal média de quem está entre os 5% mais ricos no Brasil é de R$ 10.313,00.
Para se estar entre os 10% mais ricos do país, contudo, a renda média parte de três salários mínimos, uma vez que o Brasil é um país em que muita gente vive com muito pouco. Para se estar entre os “mais ricos”, do ponto de vista da distribuição de renda, não é preciso ganhar tanto.
Segundo o sociólogo e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea Pedro Ferreira de Souza é importante conhecer aqueles que detêm a maior parte da riqueza do país. “Quando uma fração pequena da população concentra um percentual grande dos recursos, ela tende a usar todos os meios possíveis para converter o poder econômico em influência política e, assim, conseguir enriquecer ainda mais”, afirma.
Analistas avaliam que o Brasil sairá da pandemia mais desigual, e dizem que situação ainda vai piorar
Guilherme Moreira, economista da Fipe acredita que, mesmo com o país voltando ao nível de atividade econômica que havia antes da pandemia, isso acontece numa situação de maior desigualdade. “As classes de renda mais baixa sofreram um impacto devastador. Temos um enorme desafio de recuperar essa massa de gente”, afirma.
Isso porque os principais sintomas da crise sanitária – como inflação, desemprego e déficit de aulas nas escolas – afetaram mais a população de menor renda, ampliando a desigualdade, a distância entre ricos e pobres. A pandemia atinge o presente e o futuro das classes D e E, que compõem 51% dos lares no país, dizem economistas. Essa parcela perde hoje mais emprego e renda e sofre com a inflação. No futuro, terá dificuldade extra para acessar o mercado de trabalho, após dois anos de menos aulas nas escolas públicas.
Os reajustes de preços nos últimos dois anos foram mais intensos nos itens essenciais da cesta básica, como alimentos, energia elétrica e combustíveis. Quanto menor a renda da família, maior o peso que esses produtos têm no orçamento. “A inflação é mais alta nos itens essenciais, e isso de fato piora relativamente mais a situação das famílias de classes mais baixas”, observa Ronaldo Souza Júnior, diretor de estudos e políticas macroeconômicas do Ipea. “O mercado de trabalho já vem passando por uma transformação, com o avanço da economia digital sobre atividades tradicionais. Esse uso cada vez maior de tecnologia exige profissionais mais qualificados. A pandemia acelerou essa tendência, e a parcela da população com baixa escolaridade é a mais afetada por essa transição”, conclui.
Economistas também acreditam que a pobreza e a extrema pobreza no Brasil só não explodiram até agora por causa das políticas de transferência de renda, como o Auxílio Emergencial e o Auxílio Brasil. Segundo eles, com incertezas sobre o modelo dos programas após o fim de 2022, pode haver aumento da desigualdade.
“Além dos indicadores econômicos, vimos situações na economia que mostram a forte queda de renda dos mais pobres. Quando um supermercado passa a vender ossos que antes eram descartados é porque percebeu que as famílias que compravam carne perderam muito poder aquisitivo”, diz André Roncáglia, economista e professor da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp.
Por isso, é fundamental que os governos no Brasil tenham políticas de redução da desigualdade, afirmam economistas de diferentes escolas e tendências de formação. Segundo eles, isso passa por programas de distribuição de renda – como o Auxílio Brasil –, por investimentos na educação pública, em especial nos ensinos básico e fundamental, por iniciativas de qualificação e inserção profissional de jovens e, ainda, por instrumentos de apoio social, como auxílio-creche, para que as mães de famílias mais pobres possam ter acesso a formação e empregos. Idealmente, precisamos de uma mudança estrutural no volume de transferências de renda no Brasil. A pandemia até aumentou a pressão por isso. É preciso ter uma discussão para ampliar os programas de renda e não apenas para um ano específico”, defende Daniel Duque, economista e pesquisador do Ibre/FGV.
Fontes: FolhaPress, UOL, IBGE