Do abandono do Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef) e o aumento dos prazos de afretamento, com o consequente desmonte e envelhecimento da frota própria, às questões de gênero, passando pelos erros de gestão que prejudicam não apenas a força de trabalho, mas a subsidiária como um todo, o presidente do SINDMAR, Severino Almeida, expôs suas preocupações e expectativas em relação ao futuro da Transpetro, após 11 anos de gestão do ex-senador Sérgio Machado. Até o fechamento desta edição, não havia posição oficial sobre as mudanças que deverão ocorrer na Companhia. Por isto, a análise do momento atual da Transpetro foi feita pelo presidente do SINDMAR antes de serem conhecidas as decisões que ditarão os novos rumos da empresa e suas consequências.
– Qual sua visão de uma Transpetro sem o ex-senador Sérgio Machado na presidência?
– Acredito que o futuro da Transpetro estará mais ligado à condução do governo Dilma Roussef e à implementação de políticas para a Petrobras do que propriamente à ação deste ou daquele presidente à frente desta subsidiária. Mas o Programa de Modernização e Expansão da Frota, o Promef, sem Sérgio Machado, está definitivamente encerrado. Ele foi, sem dúvida, o grande agente catalisador dos interesses políticos passíveis de gerar e manter o Promef. Como experiente e competente político, Sérgio Machado soube como ninguém “vender” para a classe política as vantagens para o país, e, claro, para eles próprios, o investimento neste programa. Soube desenvolver, notadamente durante os dois governos Lula, defendendo o Promef, a saída com sucesso para o compromisso do governo de soerguer a indústria naval. Sem este, o decantado e não menos ficcional sucesso do soerguimento da indústria naval não teria condições de existir.
– Por que ficcional?
– Porque para a navegação tradicional de cabotagem o anunciado soerguimento da indústria naval pouco ou nada representou. O mesmo não pode se dizer para o offshore com construções de plataformas e estaleiros voltadas a este setor. Mas aí é outra história.
– Em entrevista à revista UNIFICAR, há mais de um ano, o senhor já apontava a morte do Programa. O que o levou a esta conclusão?
– Quando afirmei antecipadamente a morte do Promef, expliquei também as razões. Estava evidente, para qualquer observador mais atento, que a política de governo para o setor estava mudando, com os interesses maiores voltados ao afretamento, com uma indisfarçável má vontade da presidência da Petrobras com o presidente da Transpetro – indicado pelo mesmo PMDB que desafiou a presidente Dilma Roussef na segunda metade de seu mandato – e com os primeiros movimentos da operação Lava Jato da Polícia Federal no interior da Petrobras. Os valores pagos pelos navios e suas subsequentes adequações não passariam despercebidos.
– O senhor não acredita na retomada do Promef, voltando a gerar a construção de novos navios?
– Não vejo nenhuma possibilidade. O Conselho de Administração da Transpetro, em sua reunião de 28 de janeiro deste ano, foi muito claro na produção do atestado de óbito do Programa, ao definir seu encerramento mantendo apenas os 46 contratos já em eficácia. O conselho não poderia ter sido mais eloquente.
– Pelo menos estes navios, em sua grande parte ainda não entregues, poderão manter a Transpetro próxima do tamanho que deve ter, ao longo desta década, não?
– Não vejo esta afirmação como uma certeza e, sim, como uma possibilidade. Reduzida, é verdade, mas uma possibilidade. Temos todos que contribuir ao máximo para que esta possibilidade torne-se uma realidade.
“A opinião publica, com a contribuição de uma imprensa que busca formar opinião muito mais do que informar, me preocupa muito mais”
– Como assim?
– Existem ameaças crescentes aos ativos da Transpetro, no caso dos navios. A Petrobras demonstra publicamente seu esforço em fazer caixa para atravessar este momento difícil, muito mais decorrente dos interesses daqueles que a pretendem frágil e destrutível, enquanto estatal, do que propriamente da ação de corruptos e corruptores. Estes não começaram a existir nos governos petistas e, permitam-me a franqueza, não há nada no horizonte que me estimule a ser otimista quanto ao encerramento desta praga. A Petrobras chegou onde chegou, com ou sem corrupção, e devemos contribuir para que ela mantenha-se em seu papel de maior e mais importante empresa do país. Quem deve tratar de corruptos e corruptores é a polícia. A opinião pública, com a contribuição de uma imprensa que busca formar opinião muito mais do que informar, me preocupa muito mais. Isto porque a opinião, que o sistema em que vivemos quer ver formada, não interessa ao povo brasileiro em geral. Interessa, sim, ao grande capital. Esses interesses podem conjuminar, no que se refere aos navios de propriedade da Transpetro, em uma venda apressada e estúpida, agravando sensível e inexoravelmente a redução do tamanho da frota, o que já vem ocorrendo devido às exigências em relação ao casco duplo e à idade de seus navios.
– Diante deste cenário, o que recomendaria aos representados pelo SINDMAR?
– Seriam recomendações distintas, dependendo do espaço que nosso representado ocupe neste cenário. Se fora da Transpetro, se dentro dela ou ainda trabalhando na sua administração. Se não possuir vínculo empregatício com a Transpetro, recomendo que acompanhe atentamente o desenrolar dos acontecimentos, pois as consequências poderão alterar, significativamente, o mercado de trabalho de todos. Em um universo tão reduzido em termos de mercado de trabalho, com meia dezena de milhares de postos disponíveis, a chegada de um milhar de desempregados faz uma diferença brutal na relação de oferta e demanda. Além disso, nenhuma empresa contribui mais e melhor para a praticagem dos novos oficiais do que a Transpetro e é, basicamente, onde o Brasil navega com capital nacional. As nossas empresas na cabotagem, como é notório, em geral são controladas de fora de nosso país.
– E para aqueles empregados da Transpetro?
– Para aqueles que trabalham nesta subsidiária recomendo a máxima atenção nas decisões referentes ao futuro dos navios. Se decisões extremas forem tomadas pela empresa, ações extremas de nossa parte poderão se fazer necessárias. Se decidirem por nosso desemprego, é melhor ser desempregado lutando do que assistir passivamente a chegada do desemprego. A luta sempre nos traz a possibilidade de vitória. Recomendo, também, a máxima atenção na manutenção e na ampliação das cláusulas sociais, por ocasião das negociações coletivas no segundo semestre. Cláusulas relacionadas à manutenção do emprego passam a ter um valor extraordinário diante do atual cenário. Para aqueles embarcados, diria que a conquista do regime 1×1 é condição imprescindível para o fechamento do próximo acordo coletivo de trabalho. A redução da frota será um fato inexorável e a empresa não manterá em casa dezenas, quiçá centenas de marítimos desocupados. E ressalte-se que é um absurdo que a Transpetro seja a última das empresas a conceder o regime de 1×1 a seus marítimos embarcados.
– E quanto aos marítimos que trabalham na administração?
– A estes me dirijo centrado na alta administração. Estes são, notadamente, comandantes e chefes de máquinas. Alguns já bem antigos, outros nem tanto. A estes, recomendo que acordem, se ainda tiverem condições para isto.
– Como assim?
– Tenho quase quatro décadas de experiência atuando e observando o sistema Petrobras. Sempre testemunhei um ritual individualista, próprio de sobrevivência na selva, o qual de forma contumaz deságua em comportamentos que justificam uma expressão tão comum a bordo: que a pior cunha é sempre a produzida com a madeira do próprio pau.
– Mas, observa-se que, hoje, no transporte marítimo, as gerências e até esta diretoria estão ao encargo de marítimos?
– É verdade. Por enquanto estão. Mas, há de se convir que a “engenhocracia” não desapareceu do sistema Petrobras, nem de sua subsidiária Transpetro. Sem um esforço coletivo daqueles que lá estão, esta situação não se mantém. Não esqueçamos que a assunção a cargos na alta direção não foi decorrente de um processo de esforço coletivo entre marítimos, mas de atendimento a uma visão de interesse temporário do ex-presidente Sérgio Machado. Dutos e terminais nunca foram a preocupação maior daquela presidência. Vários são os motivos. Destaco dois: primeiro, o sindicalismo do pessoal de terra tem elevada participação de ingerência político-partidária. São mais controláveis pelo governo de plantão. O nosso não tem esta característica e nem queremos que tenha; segundo, dutos e terminais não ofereciam o mesmo que o Promef tinha a oferecer em termos políticos e de vantagens, em troca de apoios. Adormecer o pessoal de bordo, sob o acalanto de seus próprios pares, é muito mais plausível de ser esperado do que se obter o mesmo resultado com engenheiros.
– Então os que lá estão devem perceber o real papel que desempenharam?
– Que desempenharam e, por osmose, continuam desempenhando. Não são tolos. Preocupa-me é a demora em mudar o comportamento. Seguramente acreditaram que seus postos estavam garantidos pelo príncipe, bastava para isto lhe serem fiéis ao extremo, mesmo em prejuízo de seus pares. Mas, a realidade é outra. O Príncipe está morto, mesmo que alguma influência ainda mantenha, por ter sido o grande avalista de todo o processo. O cenário é outro. Sei que buscam novos padrinhos. Não são os únicos.
– Como avalia estes poucos mais de dois anos de intensa participação de marítimos na administração da Transpetro?
– Não foi melhor do que se lá estivessem os engenheiros de sempre. Mas, encontro pelo menos um ponto positivo: aprendizagem. Duvido muito que repitam os mesmos erros que cometeram.
“Rebaixar comandante, fazendo-o embarcar como imediato é ferir muito mais o comando do que o comandante.”
– Poderia exemplificar?
–Certamente. Por exemplo, buscaram, de início, num esforço descabido e desnecessário, “mostrar quem é que manda” de uma maneira mais apropriada a ser utilizada em briga de comadres. Tivemos comandantes e chefes de máquinas penalizados por isto, incluindo o que definiram como “rebaixamento”. Rebaixar comandante, fazendo-o embarcar como imediato é ferir muito mais o comando do que o comandante. Do primeiro dever-se-ia tratar como se trata uma instituição e, do segundo, como um empregado. Como empregado, o comandante pode apresentar qualidades e deficiências. Possíveis deficiências podem vir a merecer inclusive demissão, mas, dentro de um processo discreto e cuidadoso, para não se ferir a “instituição” comando. Com estes erros administrativos, tivemos comandantes antigos, com elogiosas carreiras dentro da empresa, sendo tratados como estafetas de segunda linha. Acredito que serão mais cuidadosos no futuro, se este houver, no trato de questões similares.
– Acredita então que houve um comportamento típico de afirmação entre aqueles que chegavam?
– Pior. Acredito mesmo que a motivação maior foi demonstrar ao Sérgio Machado que lhe beijariam a mão a qualquer custo. Tenho um forte argumento para afirmar isto. Em 2013, tanto o SINDMAR como o Centro de Capitães da Marinha Mercante (CCMM) tiveram seus candidatos aceitos para cursarem o CAEPE da Escola Superior de Guerra. Quem é do setor sabe da importância deste curso. Temos, inclusive trabalhando na administração da Transpetro, alguns que participaram deste curso por indicação do SINDMAR. Pois bem: ficaram os dois candidatos impossibilitados de fazerem o curso, numa descarada demonstração de força em prejuízo dos mesmos, pois tiveram a oportunidade postergada, neste esforço da nova administração de agradar os ditames do príncipe. Não souberam comportar-se com espírito de corpo, preservando seus pares de prejuízo, em função de uma prestação de serviço ao príncipe, desprovida de senso crítico e limites. Esqueceram-se até de que príncipes não respeitam vassalos que não buscam este respeito. Subserviência, por si só, não traduz o respeito que deve existir em qualquer relação.
– Acredita que aprenderam com isto?
– Não tenho dúvida, mas a questão é se vão ter disposição de observar o que aprenderam. Se futuro tiverem, insisto nisto, porque se não passarem a ter uma visão coletiva e espírito de corpo serão desalojados de seus postos, um a um, com cada um deles agradecendo aos céus “que a minha vez não chegou.” Mas, chegará.
– Acredita que haverá reestruturação com a saída do presidente Sérgio Machado?
– Não tenho dúvida quanto a isto. O que não se sabe é quando, pois, a situação está por demais complexa, com presidência e diretores interinos e a própria situação de todo o sistema Petrobras bastante abalada pelo esforço midiático de vê-lo fragilizado. Por isto, acredito que, neste período de transição, eles devem aproveitar para amadurecer e rápido. Não é mais razoável que cometam erros primários como os que ocorreram ao administrarem problemas decorrentes de casos de gravidez e suspeita de estupro.
– Como assim?
– Não é justo que coloquemos todas as deficiências na disposição de agradar ao príncipe. Sérgio Machado já não está na Transpetro e sequer temos, hoje, um príncipe efetivo. Espero mesmo que este tempo demore a chegar, para lhes dar mais tempo de amadurecimento. Um exemplo do que digo é a maneira como foi administrada a maternidade da primeira chefe de máquinas na Transpetro. Não entrarei em detalhes, pois este caso já foi destacado em edição anterior da UNIFICAR. Mas, a questão é: por que submeter uma oficial mercante, de extenso e elogioso serviço prestado à empresa, a praticamente um ano de agonia quanto ao seu futuro com sua bebê? Explico melhor: acriança nasceu com grave dependência do leite materno e a mãe tomou a decisão racional de não embarcar, mesmo que isto lhe custasse o emprego. A filha era sua prioridade. O que fez a administração de marítimos na Transpetro? Arrastou uma decisão fácil de ser tomada, praticamente empurrada pela ação sindical do nosso SINDMAR, deixando de anunciar uma lógica necessária ao seu compromisso com a questão de gênero. Quantas mulheres trabalham em terminais e na área administrativa tendo como origem o quadro de mar? A desproporção é brutal e casos como este, que ocorreu com a nossa colega chefe de máquinas, poderiam contribuir para uma ocupação mais proporcional. O comportamento da empresa, na prática, é incoerente com seu compromisso público na promoção do trabalho para a mulher. Temos, no gênero masculino, jovens oficiais preparando-se para ocuparem o comando e a chefia de navios com pouco mais de meia dúzia de anos na atividade. Quantas mulheres temos chefiando e comandando, considerando que a primeira turma se formou faz uma dezena e meia de anos? As respostas a estas perguntas são muito incômodas para a administração de marítimos na Transpetro. Com ou sem Sérgio Machado.
– O senhor falou também em estupro.
– Sim, falei. Em ambiente restrito de trabalho é sempre uma preocupação a ocorrência deste tipo de crime e desvio hediondo de comportamento. No dia 28 de dezembro de 2013, a bordo de um dos navios da Transpetro, uma tripulante informou à companhia a ocorrência de estupro decorrente de violência e, para alicerçar sua denúncia, apresentou-se para exame de corpo de delito na primeira oportunidade que pôde. O caso recebeu da empresa a atenção digna da alta burocracia assustadiça e estúpida. Nenhum Sindicato foi contatado sobre o caso, nenhuma comissão de maior valor foi criada para tratar do assunto, limitando-se a empresa a optar por decisão judicial sobre a ocorrência ou não do crime. Resultado: temos uma tripulante que mantém-se numa situação compreensível de não embarcar, traumatizada com o que afirma ter ocorrido, e o tripulante envolvido, em função superior, continuando a exercer suas atividades a bordo, aguardando a decisão judicial sobre o que aconteceu. Talvez tenhamos esta decisão daqui a uns oito anos, com sorte. Por enquanto, a empresa anuncia que penalizou ambos os tripulantes por ingerirem bebida alcóolica, contrariando a política da empresa para a questão. Maior sensibilidade a administração da empresa demonstraria junto aos sindicatos na avaliação de responsabilidades em início de incêndio na praça de máquinas. São atitudes lamentáveis como esta que necessitam desaparecer numa administração de marítimos no interior da Transpetro.
“Sempre acreditei que não há ninguém melhor do que o próprio marítimo para conhecer as necessidades e agruras de seus pares”
– O senhor acredita no aperfeiçoamento da atual administração, pós Sérgio Machado?
–Acreditar na melhoria de pessoas e instituições é, para mim, profissão de fé. Sempre acreditei que não há ninguém melhor do que o próprio marítimo para conhecer as necessidades e agruras de seus pares. Mesmo tendo tido péssimas experiências, continuo acreditando nisto. Podemos até errar na escolha de pessoas, mas, no conceito, eu confio. Não estamos falando aqui de uma pessoa ou duas em particular, mas de um grupo que é numeroso e que encontra-se, hoje, em diferentes papéis à frente da Transpetro, desde a direção do transporte marítimo às gerências e assessorias. Conheço a maioria há anos. São boas pessoas. Prefiro acreditar que estão aprendendo, inclusive com seus erros. Seja como for, o futuro responderá melhor à sua pergunta.