A reforma trabalhista que o atual governo tenta impor a qualquer custo atinge em cheio os trabalhadores marítimos. Além das perdas gerais, de todos os trabalhadores, para os marítimos há peculiaridades mais perversas. Grande parte dos avanços nos direitos dos trabalhadores marítimos tem ocorrido por meio dos Acordos Coletivos de Trabalho – ACT, que aperfeiçoam, preenchem lacunas e firmam conquistas além do previsto na Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT. É por meio desses Acordos que os direitos dos marítimos são modernizados e fixados no padrão das relações trabalhistas das sociedades mais avançadas social e economicamente. Tanto o regime de trabalho a bordo como o tempo de repouso desembarcado, por exemplo, são regidos por Acordos Coletivos de Trabalho – ACT, que só são obtidos e mantidos em decorrência de um sindicalismo forte.
Para firmar Acordos vantajosos e de efeito duradouro, é necessário que os Sindicatos sejam bem estruturados, disponham de inteligência e agilidade na defesa dos associados, estejam eles embarcados ou desembarcados, em licença ou aposentados. A reforma busca o enfraquecimento da estrutura sindical, o desmonte do suporte jurídico aos trabalhadores, o esvaziamento da capacidade dos sindicatos para as negociações, a mobilização e a denúncia, trazendo ainda mais dificuldades para que o interesse e os direitos do trabalhador marítimo prevaleçam frente ao empregador. É contra esse sindicalismo atuante, efetivo, de conquistas para os trabalhadores, que a reforma trabalhista, a propaganda governamental e o pseudojornalismo da grande mídia se levantam.
No seu conjunto, a desregulamentação proposta na reforma trabalhista provoca um enorme salto para o passado e o atraso. Durante quase quatro séculos as relações trabalhistas no Brasil foram reduzidas ao trabalho escravo. O trabalhador era propriedade sobre a qual o senhor detinha direitos de vida e morte. A luta contra o trabalho escravo já havia resultado na abolição em diversas províncias brasileiras, quando em 1888 foi proclamada a Lei Áurea. A iniciativa de maior alcance foi liderada por um trabalhador marítimo, Francisco José do Nascimento, prático das docas de Fortaleza, que ficou conhecido como o Dragão do Mar. Com os seus companheiros, em 1881, fechou aquele porto para o embarque e o desembarque de escravos, forçando a abolição em todo o Ceará três anos depois.
Nos 40 anos que se seguiram à Abolição, a regulamentação dos direitos trabalhistas resumiu-se à Lei Áurea e às modificações em razão dela, não tendo os governantes se dado à tarefa de elaborar uma legislação específica. A inércia das autoridades não era justificada por falta de ação dos trabalhadores. Cem anos atrás, em 1917, ocorreram as primeiras greves robustas dos trabalhadores brasileiros, principalmente em São Paulo, onde o novo operariado, urbano e emigrado da Itália e da Espanha, exigia proteção legal nas relações de trabalho.
A partir de 1930, no primeiro governo do presidente Vargas, uma Lei Geral do Trabalho já havia regulamentado questões como a nacionalização do trabalho, os acidentes de trabalho, as convenções coletivas e instituído a Justiça do Trabalho. Em 1943, com a CLT, os trabalhadores urbanos, em torno de 10% da mão de obra do País àquela época, passaram a ter a proteção legal dos seus direitos. A CLT foi alargada em 1963, no governo do presidente João Goulart, para incluir os trabalhadores rurais por meio da Lei que ficou conhecida como Estatuto Rural. A mais recente expansão da CLT incluiu o último grande grupo de trabalhadores que havia ficado de fora, mais de seis milhões de empregados domésticos, em 2015, no governo da presidenta Dilma.
Essa construção dos direitos trabalhistas ao longo de quase 130 anos, desde a Abolição da Escravatura, está ameaçada de ruir em poucos meses por causa dos compromissos firmados pelo atual governo com o empresariado que patrocinou a sua ascensão, por meio do rompimento da ordem democrática. No quesito das garantias ao trabalho, o Brasil aparece na ordem dos países acima dos que não preveem nenhum direito trabalhista, como a Somália e a Índia; dos que têm esses direitos sob sistemática violação, como o Chile e os Estados Unidos, mas abaixo dos que mais zelam por seus trabalhadores, como o Uruguai, a Alemanha e a Dinamarca. A desregulamentação com a qual o atual governo está comprometido implica devolver o Brasil à sua pré-história como nação, com o Estado abrindo mão da sua tarefa de proteger os cidadãos, deixando para o Mercado reger a sua própria ganância, cujo mecanismo é o de transformar sofrimento em ouro.
O simples fato de um recuo estar sendo ensaiado já é terrível o bastante. Esta é a hora em que os trabalhadores brasileiros deveriam lutar pela redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais, como já é realidade na maioria dos países avançados. No entanto, o projeto de lei 6787/2016, em tramitação no Congresso, estende a jornada permitida às 48 semanais, como era antes da Constituição de 1988. O PL mutila o direito do trabalho no País ao propor a alteração de 100 pontos da CLT, com o foco em prejuízos para os trabalhadores e atendimento aos interesses dos grupos empresariais que sustentam o atual governo.
Entre esses pontos, coloca os acordos negociados entre empresas e trabalhadores acima dos preceitos legais, desconsiderando que apenas 17% dos trabalhadores brasileiros são sindicalizados, com uma ampla maioria, portanto, desorganizada para a negociação direta. O projeto da Reforma libera mulheres grávidas e lactantes para trabalho em locais insalubres, o que hoje é proibido. Por ele, as férias dos trabalhadores poderão ser parceladas em até três vezes e o horário de almoço poderá ser reduzido para até 30 minutos. O trabalho remoto, teletrabalho, realizado em casa, e o trabalho intermitente, ficam completamente a depender da negociação entre trabalhador e empresa, sem nenhuma orientação do Estado.
Para evitar qualquer capacidade de reação dos trabalhadores, o governo propõe em sua Reforma o fim da contribuição sindical, de modo a desmontar a atual rede de cooperação e proteção mútua entre os mais de cem milhões de brasileiros e brasileiras que vivem do seu suor, das suas habilidades e da sua inteligência – os trabalhadores. Enquanto isso, nada limita o caixa dos patrões, da FIESP à FIRJAN ou no Sistema S, nem como os seus recursos podem ser utilizados. É uma tentativa clara de controlar, amordaçar e submeter a representação legítima dos trabalhadores. Neste momento, um Congresso Nacional muito conservador, composto em mais de dois terços por ruralistas e empresários, conspira com um presidente impopular e ilegítimo para fazer as reformas contra os trabalhadores.
Todas as vezes em que ocorreram conquistas e avanços nos direitos, isso se deu pela luta dos trabalhadores. Em momento nenhum foi simples concessão dos governantes e nunca foi dádiva do patronato. Os riscos e as ameaças aos direitos dos trabalhadores nunca foram tão orquestrados e nunca estiveram tão próximos de se tornar realidade no Brasil como hoje. Reforma da Previdência, reforma trabalhista e lei da terceirização irrestrita compõem esse conjunto de perversidades que os políticos e empresários querem travestir de reformas modernizantes, com muita propaganda na mídia. A grande imprensa, na tevê, no rádio e na internet, há muito abriu mão da sua função social de informar. Aplica-se, o tempo todo, a moldar a opinião em favor do governo e dos empresários que alimentam o seu caixa com os contratos de publicidade.
Somente um levante dos trabalhadores contra essas medidas pode estancá-las e dar limites ao atual governo em sua sanha antitrabalhista. Somente com sindicatos fortes, influentes e bem estruturados, os trabalhadores poderão fazer prevalecer os seus direitos.
A greve geral do dia 28 de abril é o instrumento mais poderoso neste momento.Com os Oficiais e Eletricistas Mercantes, com todos os trabalhadores marítimos, com os trabalhadores de todas as categorias, em todo o território nacional: Vamos parar o Brasil!
Juntos somos mais fortes. Unidade e Luta!
Severino Almeida Filho
Presidente do SINDMAR