Em 2016, a Coordenadoria Nacional de Trabalho Portuário e Aquaviário (Conatpa), do Ministério Público do Trabalho (MPT), completa 12 anos de atuação em defesa do ambiente laboral seguro e adequado, da igualdade nas relações de trabalho e da liberdade sindical, combatendo o trabalho em condições degradantes, as contratações irregulares e as terceirizações ilícitas, entre outras questões relevantes à promoção dos direitos trabalhistas e sociais.
Considerando a importância estratégica dos portos brasileiros e das atividades portuárias e aquaviárias que empregam milhares de pessoas, a Conatpa tem empenhado seus esforços no sentido de fortalecer e ampliar o trabalho interinstitucional, estimulando a participação efetiva de diversos atores, como a Marinha do Brasil, o Poder Judiciário, o Ministério do Trabalho e Previdência Social, as entidades sindicais e outros parceiros do MPT, visando a garantir condições dignas de trabalho nestes setores.
Para conhecer mais o trabalho desenvolvido pela Coordenadoria Nacional do Trabalho Portuário e Aquaviário, do MPT, a Revista Unificar entrevistou seu coordenador, o Procurador Augusto Grieco Sant’Anna Meirinho. Ao ingressar no Ministério Público do Trabalho, em 2009, assumiu a Coordenação Regional da Conatpa na Procuradoria Regional do Trabalho (PRT) da 11a Região, em Manaus (AM). Em 2010, foi para a PRT de Santos (SP), onde lidera, desde setembro de 2015, a Conatpa. No âmbito da Coordenadoria, atuou em projetos importantes, como Ouro Negro e Igarapés, hoje denominado Pesca Legal. É coautor de livros como “Trabalho Portuário e Aquaviário – Homenagem aos 10 Anos da Coordenadoria Nacional do Trabalho Portuário e Aquaviário” e “Tudo o que você precisa ouvir sobre: Previdência Social”, entre outros. Foi docente em cursos da Escola Superior do Ministério Público da União, a maioria relacionada ao trabalho aquaviário e portuário.
UNIFICAR – Quais são as principais atribuições da Conatpa?
Augusto Meirinho (AM) – A área de atuação da Coordenadoria Nacional do Trabalho Portuário e Aquaviário, a Conatpa, é ampla e abrange segmentos correlatos e complementares nas atividades ligadas aos setores aquaviário, portuário, construção naval e pesca. Desde a sua criação, a Conatpa tem como objetivos principais a regularização das relações de trabalho nos setores portuário e aquaviário, implementando as legislações respectivas, garantindo ambiente de trabalho adequado, a democratização do acesso às oportunidades do trabalho avulso nos portos, a inclusão dos trabalhadores no mercado formal de trabalho nos portos públicos e privados, na pesca, nas navegações marítima e fluvial, na indústria naval, nas plataformas marítimas de exploração de petróleo e nas atividades de mergulho profissional. A Conatpa atua, também, para assegurar aos trabalhadores brasileiros a empregabilidade em embarcações estrangeiras que naveguem em águas nacionais.
Além disso, a Conatpa desenvolve três projetos estratégicos – Portos Seguros, Ouro Negro e Pesca Legal – em setores considerados sensíveis. Dentre as coordenadorias temáticas criadas no âmbito do MPT, pode-se dizer que a Conatpa é a Coordenadoria que dialoga com todos os principais temas da Agenda do Trabalho Decente da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O funcionamento da Conatpa se dá por coordenação das atividades ministeriais, procurando harmonizar os princípios constitucionais que regem o Ministério Público, sobretudo os princípios da independência funcional e da unidade, buscando uma atuação mais e ciente em prol da sociedade trabalhadora.
Todos os integrantes da Conatpa participam de cursos de extensão, no âmbito da Escola Superior do Ministério Público da União, de seminários com a participação de Procuradores do Trabalho e de reuniões para debater os temas mais sensíveis e atuais, bem como trocar experiências em atividades de campo, por intermédio da realização de forças-tarefas nos diferentes portos do Brasil.
UNIFICAR – Como a Conatpa atua no sentido de assegurar um ambiente laboral seguro e combater o trabalho em condições degradantes?
AM – Desde o seu início, a Conatpa atua com os Procuradores do Trabalho em exercício nos locais onde se desenvolvem as atividades econômicas inseridas nas atribuições da Coordenadoria. Esta atuação se dá, basicamente, por meio da realização de forças-tarefas e grupos de trabalho, inclusive com deslocamentos de Procuradores de outras localidades, para dar suporte em questões mais complexas ou que requeiram a despersonalização do Procurador, em caso de segurança pessoal, por exemplo. Dentre os projetos desenvolvidos pela Conatpa está o Portos Seguros, que é destinado ao cumprimento da NR-29, que regulamenta a proteção obrigatória contra acidentes e doenças profissionais no setor portuário. No setor aquaviário, sobretudo as embarcações de pesca e as regionais estão no radar da Coordenadoria.
UNIFICAR – Qual a importância da interação entre as instituições para combater, de modo efetivo, as irregularidades nas relações de trabalho e garantir a liberdade sindical? Há algo que precise melhorar?
AM – A Conatpa valoriza muito as instituições parceiras que atuam em colaboração com o Ministério Público do Trabalho, sobretudo no intercâmbio de conhecimento que as ações conjuntas permitem. O ganho institucional é pleno. A Conatpa tem dado ênfase às ações de Estado, como é o caso do Projeto Ouro Negro, voltado ao setor offshore, com participação de vários órgãos e entidades públicas, como a Marinha do Brasil, o Ministério do Trabalho e Previdência Social, a ANP, a Anvisa, o Ibama.
A Coordenadoria tem buscado a celebração de convênios com outros órgãos de forma a tornar a atuação ministerial mais eficiente, em proveito de toda a sociedade, como foi o caso do acordo de cooperação técnica firmado entre a Procuradoria Geral do Trabalho e o Ministério Público do Estado do Ceará para a implantação de políticas públicas relacionadas aos defesos dos pescadores artesanais. A PGT tem como um de seus objetivos replicar este acordo com os demais Ministérios Públicos Estaduais.
Sempre buscando identificar parceiros institucionais, com o objetivo de tornar mais e ciente e eficaz a atuação ministerial em sua esfera de atribuições, a Conatpa tem procurado maior aproximação com o Tribunal Marítimo. Para a troca de experiências, em particular pela excelência das decisões da Corte Marítima, que podem e devem instruir os procedimentos ministeriais relacionados a acidentes e fatos da navegação.
UNIFICAR – Quais são as principais dificuldades que a Conatpa enfrenta no dia a dia para garantir o cumprimento das leis trabalhistas, como a RN-72?
AM – Acredito que as maiores dificuldades estejam na própria dinâmica do setor, que vem perdendo espaço nas últimas décadas para empresas estrangeiras de navegação. A navegação aquaviária é sensível para os interesses nacionais e deveria ser assegurada por políticas públicas de desenvolvimento do setor, sobretudo na cabotagem. Com a valorização do modal aquaviário frente a outros modais, consideravelmente mais dispendiosos, certamente não haveria por que se falar em RN-72. Por outro lado, as dificuldades no cumprimento da legislação trabalhista passam pela desatenção com a fiscalização – para se falar o mínimo – que é de extrema relevância para que se assegure o trabalho decente. A sensível diminuição de recursos para a Justiça do Trabalho, com reflexos, inclusive, na atuação ministerial, também é um entrave.
UNIFICAR – Hoje, quais são os problemas mais graves relacionados aos trabalhadores marítimos?
AM – As peculiaridades do trabalho marítimo impõem um olhar diferenciado por parte dos Procuradores do Trabalho. Um dos problemas mais graves, sem dúvida, é a questão da empregabilidade dos marítimos diante da redução da frota mercante nacional e da abertura da cabotagem. As empresas nacionais de navegação têm empregado um número elevado de navios afretados, sobretudo no offshore, muitas vezes desrespeitando a RN-72. A nacionalização do trabalho aquaviário é questão da maior relevância para o Brasil, não apenas sob o aspecto dos trabalhadores.
UNIFICAR – A questão de gênero ainda é um problema?
AM – A questão de gênero está sempre presente no radar do Ministério Público do Trabalho. Mas, houve avanços importantes no Brasil no que tange à igualdade de oportunidades de gênero no setor aquaviário, com a abertura dos cursos de formação para as mulheres pela Marinha do Brasil. Há mulheres, Oficiais da Marinha Mercante, comandando navios na Transpetro. As mulheres estão ocupando, cada vez mais, espaços em uma atividade que era, até há pouco tempo, preponderantemente masculina.
UNIFICAR – Os trabalhadores aquaviários estão cientes dos seus direitos? O que precisa mudar?
AM – Com mais acesso à informação, graças à internet, os trabalhadores têm demonstrado maior conhecimento sobre seus direitos básicos. Mas ainda é preciso muita divulgação. A Conatpa tem participado, junto com a Organização Internacional do Trabalho, a Marinha do Brasil e o Ministério do Trabalho e Previdência Social, de seminários patrocinados pelas entidades sindicais aquaviárias, levando a esses trabalhadores, em diversos locais do Brasil, um pouco da experiência de atuação do Ministério Público do Trabalho.
UNIFICAR – Diante da possibilidade de demissões em massa e com as empresas tentando pressionar seus empregados a aceitarem condições desfavoráveis na negociação dos Acordos Coletivos, como o senhor vê a atuação do SINDMAR? Como a Conatpa pode atuar para impedir o abuso de autoridade dessas empresas?
AM – Pelo princípio da legalidade, e com as atribuições conferidas aos sindicatos pela Constituição da República de 1988, o SINDMAR tem legitimidade para adotar as medidas de consulta aos trabalhadores que entender adequadas à preservação da livre manifestação da vontade dos mesmos, desde que não haja ofensa ao ordenamento jurídico. Em momentos de grave crise econômica, com ameaça aos postos de trabalho, as entidades sindicais atuantes devem buscar tutelar a salutar manifestação da vontade do trabalhador. O receio à perda do trabalho pode potencializar eventuais condutas abusivas. Caso ocorram, caberá ao Ministério Público do Trabalho a verificação dos fatos e a adoção de eventual medida judicial para coibi-las, se forem comprovadas.
UNIFICAR – Quais são os principais desafios e metas da Conatpa?
AM – Os desafios são hercúleos, sobretudo diante do atual cenário econômico. Acredito que um dos principais focos de atuação da Conatpa – ao lado de seus projetos estratégicos (Ouro Negro, Portos Seguros e Pesca Legal) – será o aperfeiçoamento da RN- 72 do Conselho Nacional de Imigração. Esta norma é fundamental para a manutenção dos empregos dos trabalhadores aquaviários, principalmente dos marítimos, diante da ampla presença de embarcações estrangeiras em águas jurisdicionais brasileiras. Nossa intenção, tanto no âmbito nacional, junto com o Vice-Coordenador, Dr. Marcelo Brandão de Moraes Cunha, quanto nas diversas unidades do MPT, é trabalhar em prol da melhoria das condições dos trabalhadores aquaviários e portuários, buscando a implantação integral da Agenda do Trabalho Decente nesses setores.
UNIFICAR – Na defesa dos trabalhadores aquaviários, houve episódios marcantes?
AM – Com certeza. Uma das operações mais marcantes, da qual participei, foi uma realizada em conjunto com diversos órgãos, em navios de cruzeiros, para verificar denúncias de assédio moral e jornada extraordinária. O contato com a realidade desses profissionais contribuiu para um olhar diferenciado e ainda mais atento sobre esta atividade. Também as operações realizadas no Amazonas, no período em que estive em Manaus, me permitiram ter contato com uma realidade diversa daquela a que estamos acostumados. A experiência de buscar a melhoria das condições de vida e de trabalho desses profissionais é indescritível.
UNIFICAR – O senhor acrescentaria algo mais?
AM – Gostaria de agradecer ao SINDMAR a oportunidade de falar um pouco sobre a Conatpa à comunidade aquaviária. Gostaria, também, de destacar o importante trabalho que o Sindicato vem realizando em prol dos trabalhadores. Não há dúvidas de que os sindicatos são importantes atores sociais na busca da implantação da Agenda do Trabalho Decente.